O presidente do IAPMEI disse há dias que os business angels são fundamentais para as start-ups, defendendo o apoio à atividade deles. Contudo, em Portugal são ainda praticamente inexistentes as empresas de deteção de negócios emergentes e algumas iniciativas da banca neste domínio não passam de aproveitamentos da designação, uma vez que arriscam somente em negócios já firmados e lucrativos.

Sendo que os tempos de crise oferecem as melhores oportunidades para o investimento, como explicar que haja tão pouca atividade de seed capital e venture capital a amparar o empreendedorismo português?

(pergunta de Paulo Querido para o Uma Pergunta Por Dia)

(resposta de Mário Valente)

“ O reconhecimento de que as startups e as PME são fundamentais para o tecido empresarial e para a economia de um país é uma coisa muito recente. Portanto é natural que esse reconhecimento por parte do IAPMEI e de outras entidades competentes também seja recente. E que também seja recente o reconhecimento da importância dos business angels e da necessidade de criação de condições para a actuação dos mesmos. A criação do programa SAFPRI (no ambito do QREN e do COMPETE) que disponibiliza fundos para apoio ao capital de risco e à actuação dos business angels é um claro sinal de que algo está a mudar.

De facto, em Portugal a designação de “capital de risco” tem sido abusada. O conceito de “venture capital” (capital de risco) é normalmente aplicado ao investimento em empresas em fase “seed” (capital semente) ou em fase “startup”. Portanto numa fase em que ainda não têm receitas. Na verdade o que as empresas portuguesas designadas de “capital de risco” fazem é aquilo que se chama de “private equity”.

E aqui está uma das razões fundamentais porque são praticamente inexistentes as empresas de deteção de negócios emergentes e porque a banca tradicional de facto não arrisca: em primeiro lugar entender e compreender um negócio numa fase inicial, especialmente se for um negócio de âmbito tecnológico, é algo que é dificil de fazer por parte de quem desconhece a tecnologia e o mercado; em segundo lugar, e uma vez que as startup ainda não têm receitas, é dificil projectar números e calcular o valor de uma startup e de um investimento. É por isso natural que a banca prefira apostar em negócios já existentes, em que já existe um mercado e uma previsão de receitas ou até lucros.

Existem no entanto outros factores.

Uma empresa que gere um fundo de 10 milhões não quer investir esse fundo em 100 empresas, 100.000 por cada empresa. Seria impossível acompanhar 100 empresas. O que se consegue compreender. Especialmente quando o modelo de investimento parte do princípio que é preciso controlar de perto essas empresas.

Adicionalmente, a megalomania e lógica colectivista nacional dá preferência a grandes projectos, a coisas “a sério” e de relevância. Fazer coisas pequenas não dá parangonas nos jornais nem dá votos. E portanto calha em caminho investir em monos e em elefantes brancos, especialmente se estão em causa marcas portuguesas. São coisas que parecem bem.

Curiosamente isso vai contra todos os ensinamentos de Finanças (falo com capacidade, uma vez que frequentei três vezes a cadeira, acabando por passar à quarta; não há ninguém que tenha revisto a matéria tantas vezes como eu). Em Finanças é ensinado que uma forma de diminuir o risco dos investimentos é ter uma carteira o mais diversificada possível. É preferível ter 30 investimentos do que investir o mesmo valor em uma ou duas empresas. Não colocar todos os ovos no mesmo cesto e tal…

Para além disto, há sempre o problema do ovo e da galinha: quem é que deve aparecer primeiro, os empreendedores ou os investidores? Se os possíveis investidores, sejam eles business angels, empresas de capital de risco ou banca, forem os primeiros, será que os empreendedores aparecem? Ou devem aparecer primeiros os empreendedores para que haja interesse e apareçam mais investidores? Um problema simples de oferta e de procura.

Noutros países, com leis laborais mais simples, em tempo de crise aumenta a criação de startups, empresas ou novos negócios. Há quem se despeça; há quem seja despedido. Isso significa que passa a existir uma série de pessoas capazes que ou decidem começar o seu próprio negócio ou então estão disponiveis para participar noutros. Mesmo que isso acarrete alguma diminuição da sua remuneração face à anterior. Estes negócios, criados numa altura em que há menos concorrência e em que se conseguem obter melhores preços e mais visibilidade, têm uma maior probabilidade de sucesso. O Google ou a Microsoft, empresas criadas durante recessões, são exemplos disso.

Mas em Portugal o cenário é diferente. Quando a economia está em alta, toda a gente resolve criar empresas. Despedem-se e acham que vão ter mais sorte: a economia corre bem. Ora é precisamente nessas alturas que a concorrência é maior. Que tudo custa mais, uma vez que há mais procura. E quando é fácil arranjar dinheiro, que depois é mal gasto. Nada como criar uma empresa durante uma recessão para viver de forma frugal e esticar o dinheiro até às últimas. Quando a economia está em baixa, as pessoas deixam-se ficar bem agarradinhas ao emprego seguro e ao salário certo. Sabem que não podem ser despedidas facilmente. Em Portugal joga-se pelo seguro.

Os tempos de crise oferecem de facto as melhores oportunidades para investir. Seja esse investimento feito pelos empreendedores ou por investidores.

As leis laborais são por isso um obstáculo à mobilidade das pessoas e à criação de negócios por iniciativa própria. E se não há startups não há investidores. E depois os potenciais empreendedores queixam-se de que não há investidores. É o ovo e a galinha…

Para além disso o contexto fiscal também não ajuda. A carga fiscal sobre as startups e as PME é maior do que a média. Os encargos com a Segurança Social penalizam fortemente uma empresa que está a nascer. O despedimento de pessoas no caso de um projecto não correr bem é doloroso para todas as partes. Fechar uma empresa é difícil. Se for através de um processo de falência, ainda pior.

Uma medida que poderia ajudar: as empresas com menos de 3 anos e menos de 100.000 euros de faturação teriam um período de carência no pagamento de impostos e de encargos sociais. Não é ficarem isentas. Os valores devidos iriam sendo contabilizados. Se a empresa passasse a barreira dos 3 anos ou a barreira dos 100.000 euros, passaria então a pagar os valores contabilizados, de uma forma progressiva. No entanto, se o projecto falhasse, não haveria lugar ao pagamento dessas quantias.

Outra medida: as startups, desde que tivessem menos de 3 anos e menos de 100.000 euros de faturação, teriam a possibilidade de fechar a empresa e fazer cessar os contratos de trabalho sem grandes burocracias. Poderia até ser algo aplicável apenas a empregados com menos de 25 ou 26 anos, ainda a tempo de arranjar outro emprego. Mas mesmo assim já seria uma ajuda importante à assumpção do risco e à criação de empresas.

É certo que em Portugal existe muita aversão ao risco. Mas a aversão ao sucesso se calhar é um factor mais importante. Correr riscos ou não, é uma opção individual. Mas quem corre esses riscos e tem sucesso rapidamente é alvo de inveja, de comentários e de suspeições. “Teve sorte”, “deve ter um negócio escuro qualquer”, “é porque tem uns amigalhaços”.

Ainda assim acho que as coisas estão a mudar. Há cada vez mais pessoas que querem criar o seu negócio e o seu emprego e poderem controlar a sua vida. Há cada vez mais alternativas para obter investimento e financiamento: a SeedCapital é um exemplo. Apareçam os projectos e os empreendedores que estou certo que o interesse de investidores e o aumento de actividades de investimento irão também aparecer. ”

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